por Regina Evaristo - Advogada Autista
Há quatro anos, a pandemia de COVID-19 se abateu sobre o mundo como uma tempestade avassaladora, carregando consigo vidas, esperanças e inúmeros profissionais da saúde, incluindo alguém muito querido para mim.
O Rio de Janeiro, que sempre fora sinônimo de beleza e luz, tornou-se cenário de uma tragédia indescritível. Em meio ao caos e ao desespero, decisões foram tomadas. Decisões que, para mim, carregam o peso de uma injustiça que ainda hoje ecoa em cada canto da minha alma.
O diretor do hospital onde meu filho trabalhava, com a arrogância de quem acredita deter todo o conhecimento, proibiu o uso de máscaras N95 e protetores faciais pelos funcionários da linha de frente. Talvez ele acreditasse que estava agindo em nome da ciência, mas o que fez, na verdade, foi assinar a sentença de morte de muitos, incluindo o meu filho. Não contente em barrar medidas que poderiam salvar vidas, ele ordenou que pacientes infectados fossem algemados, como se fossem criminosos, e colocados à força nas ambulâncias, sendo "exportados" para o Hospital Zilda Arns, em Volta Redonda. Como se fossem apenas números, e não pessoas amadas, que tinham famílias, histórias e sonhos.
Um deles era o meu filho, Alan.
Ele, que escolheu a enfermagem como profissão, movido pelo desejo de cuidar do próximo, de ser uma mão amiga em momentos de dor, foi arrancado de mim de maneira brutal e desumana. O Hospital Estadual Carlos Chagas, onde ele trabalhava com tanto empenho, tornou-se palco de uma tragédia pessoal que nunca poderei esquecer. Aquelas paredes testemunharam os últimos momentos de um jovem cheio de vida, que tinha tanto a oferecer ao mundo.
O governador, que talvez pudesse ter evitado tudo isso, perdeu o cargo. O secretário de saúde foi preso, mas isso não me traz consolo. O diretor, que ordenou aquelas medidas insanas, sumiu, desapareceu como se nunca tivesse existido. E eu fiquei com o vazio intransponível, com a dor que me rasga a cada respiração. Porque o meu filho, meu querido filho, está morto.
O ser humano falhou. É uma constatação dura, mas verdadeira. Em momentos de crise, somos postos à prova, e a humanidade, como um todo, falhou. Falhamos em proteger os nossos, em cuidar daqueles que mais precisavam. Falhamos em ser compassivos, em ser justos. E o preço dessa falha é incalculável. Somente Deus é bom. Nós, humanos, somos maus, não há outra explicação. A maldade é uma constante, variando apenas em sua intensidade, mas sempre presente, como uma sombra que nos persegue.
No entanto, em meio a essa escuridão, ainda há faíscas de luz. A dor imensurável da perda não foi a única companheira que encontrei nesse caminho tortuoso. Recebi abraços sinceros, daqueles que entendem, que compartilham a mesma dor. Conheci outras mães que, como eu, perderam seus filhos. Filhos que se foram cedo demais, arrancados de nossos braços por uma doença cruel e pela ineficiência de um sistema que deveria protegê-los. Essas mães se tornaram irmãs na dor e, juntas, tentamos encontrar algum sentido, algum alívio para o luto que nos une.
E, no meio dessa jornada teimosa que é a vida, encontrei novos filhos. Não aqueles que nasceram de mim, mas que me foram trazidos pelo destino, por Deus, para aquecer o meu coração cansado. São eles que me ajudam a seguir em frente, a encontrar um pouco de paz em meio à tempestade. Porque o luto é, de fato, uma luta. Uma batalha diária para não ser consumida pelo desespero, para continuar a viver quando tudo o que se quer é parar. Mas é também uma afirmação de amor. Um amor que não morre, que persiste, que encontra um lugar em cada gesto, em cada memória, em cada novo vínculo que se forma.
E assim, sigo. Porque o amor cabe em qualquer lugar, mesmo no meio da dor mais profunda. Mesmo quando tudo parece perdido.

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