por Regina Evaristo - Advogada Autista
Cristina é daquelas pessoas que nos fascinam à primeira vista. Direta nas palavras, assertiva, com uma capacidade de decisão e síntese admirável! Como boa jornalista, sabe exatamente como usar as palavras. Sua comunicação precisa e a habilidade ímpar com a escrita fazem dela uma profissional destacada na empresa que gerencia, mesmo que o campo de atuação não seja sua área de formação.
Embora Cristina não exerça o jornalismo, sua alma de comunicadora permanece viva em cada detalhe do trabalho que realiza no setor imobiliário. As ferramentas do pensamento crítico e da análise de fatos estão mais afiadas. Sua ética profissional, persistência e determinação são características que a tornam única.
Certa vez, em uma conversa descontraída sobre afazeres domésticos, Cristina revelou algo curioso: embora tenha uma auxiliar, gosta de cuidar das roupas do marido e das duas filhas — uma adolescente e outra criança, ambas encantadoras (mas esse é tema para outra crônica). Ela cuida de cada detalhe com esmero, e seu varal reflete isso. As roupas são dispostas de forma cuidadosa, aproveitando bem o espaço e a luz do sol, nas tardes ensolaradas do Rio de Janeiro, o que torna desnecessário o uso de uma secadora na varanda à beira-mar.
"Eu gosto de fazer do meu jeito", disse ela em um domingo, seu único dia de folga. Ao ouvir isso, me vi refletida em suas palavras. Minha rigidez cognitiva, característica do autismo, me faz buscar sempre a ordem e o controle. “Gosto da roupa esticadinha. Quando outra pessoa estende, tudo fica de um jeito errado. Não é como aprendi, e aquilo me incomoda profundamente”, continuou Cristina.
Essa conversa com Cristina me fez pensar nos "varais da vida". Como enxergamos o mundo? Quais concessões podemos fazer? Quais “nãos” são essenciais para manter nossa paz interior? Como evitar "esticar a corda" até o ponto de romper nosso emocional?
Quantas vezes, talvez, já penduramos as peças no varal errado da vida e o vento as levou para longe, mar adentro? Perdemos algumas peças pelo caminho? Perdemos alguém importante? São tantas reflexões que os varais da vida nos trazem... Peças que compõem nossa jornada e que, por mais que tentemos, talvez nunca compreendamos completamente.
Por agora, quem sabe estender as roupas em um domingo de descanso, como fez Cristina, seja a melhor maneira de evitar atritos com aqueles que dividem conosco o varal... ou melhor, a jornada da vida.
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