por Regina Evaristo - Advogada Autista
Sempre ouvi dizer que um filho não deveria morrer antes dos pais, especialmente das mães. Certa vez, meu filho mais novo, do alto dos seus três aninhos, me disse: "Mãe, não se preocupe, mãe não morre antes do filho crescer, senão quem cuidará do filho?" Naquele momento, pensei no inverso: e se o filho morrer antes da mãe? Como é essa orfandade materna, essa perda que contraria a ordem natural das coisas?
A orfandade materna não se encaixa em nenhum conceito ou contexto. É uma lacuna indizível, inexplicável, inominável. Atendi, recentemente, duas mães que perderam tragicamente seus filhos, assassinados covardemente em atos inexplicáveis, frutos de fofocas, enganos e da crueldade de mentes perturbadas. Tirar a vida de alguém é o ato que traça a divisa entre a humanidade e a bestialidade. Se o ato de nascer é “dar à luz”, tirar essa luz é mergulhar tudo em trevas.
Uma das mães me disse: "Ele era meu tudo. Éramos eu e ele. Eu estava a três minutos de onde ele foi assassinado. Como eu não vi, nem ouvi nada?" Essas palavras ecoam um desassossego eterno, a sensação de estar na contramão de tudo. Porque, na verdade, uma mãe nunca para de “crescer”; ela cresce junto com o filho e, por isso, deveria morrer bem velhinha, com seus filhos velando seu leito.
Mas quando uma mãe perde seu filho, ela perde mais do que apenas a presença física. Ela perde os sonhos compartilhados, as datas festivas que nunca mais serão as mesmas, os cheiros que trazem lembranças, os afagos que agora são apenas memória. Nunca saberá como seria o futuro que planejou para ele.
Nas conversas, essas mães tentam manter vivos seus filhos, falando de como eram seus "meninos", o que gostavam, suas traquinagens, os sonhos interrompidos tão brutalmente. Uma delas me confidenciou: "Apagaram a minha luz. Está faltando uma parte aqui, ali... No todo, falta a presença do meu filho."
Essa dor é uma ferida que nunca cicatriza. Nada faz sentido para uma mãe que perdeu seu filho. Ela se vê condenada a viver uma orfandade que desafia qualquer compreensão, onde o luto se transforma em uma luta constante por justiça. Essa luta, por vezes, é a única maneira que encontram de manter acesa a memória de seus filhos, de transformar a dor em algo que, se não pode ser curado, ao menos pode ser gritado ao mundo.
Porque o luto dessas mães não é apenas uma despedida; é uma batalha contínua para dar voz à ausência, para reivindicar justiça e para assegurar que o nome de seus filhos nunca seja esquecido. E, assim, elas caminham entre a escuridão e a esperança, com uma dor que é, ao mesmo tempo, insuportável e inescapável.
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