por Regina Evaristo - Advogada Autista
Em uma visita às instalações do extinto prédio da Polinter, Vila Isabel, na zona norte do Rio de Janeiro, com o objetivo de observar as condições em que viviam as mulheres presas, algo me chamou profundamente a atenção: entre os vãos das grades, havia varais com roupas penduradas. Não havia uma explicação lógica de como essas roupas eram colocadas ali, já que as grades ladeavam o local e o espaço era de aproximadamente três metros de largura, com um verdadeiro calabouço úmido e fétido abaixo dos varais, sem qualquer outro acesso visível.
As roupas estavam estendidas com um cuidado meticuloso.
Mas como? Que braços seriam capazes de alcançar os três metros de largura através das grades? Como era possível estender aquelas roupas ali?
Ao final da visita, minha curiosidade me levou a perguntar a uma das presas como conseguiam colocar as roupas no varal. Ela me lançou um sorriso de canto de boca, meneou a cabeça, com um cigarro apagado entre os lábios, e respondeu: "Colocamos cada peça neste pedaço de 'madeira solidária' e, articuladamente, a sobrepomos cuidadosamente no varal. Em cada turno, quatro detentas são responsáveis por estender as roupas. Se alguma peça cair no limbo do vão, estará perdida para sempre, e a descuidada será punida severamente, além de ter que ressarcir a peça de roupa ou seu valor equivalente."
Eu não ousei perguntar qual era essa punição severa ou quantas peças de roupa já haviam sido perdidas naquele abismo.
Passei a refletir profundamente sobre o caráter pedagógico-punitivo do sistema carcerário, que é completamente diferente do que ocorre do lado de fora dos muros. Dentro do cárcere, os detentos se tornam “mercadorias do Estado” e criam suas próprias regras, seguidas à risca.
Será que o ser humano realmente só aprende com a dor? Será que a liberdade cerceada transforma as pessoas de maneira tão drástica?
Cada mulher ali tinha uma história. Quase todas estavam presas por tráfico de drogas, abandonadas por seus "homens" — assim se referiam aos companheiros, namorados, maridos — que, na maioria das vezes, foram os responsáveis por inseri-las no mundo do crime.
Recordo-me de Carla, uma mulher jovem, magra, de pele muito branca e cabelos oxigenados, com a raiz preta já crescendo, contrastando com o louro das pontas. Carla estava de cócoras, perto do vão das cordinhas, vestindo um short jeans curto, desfiado nas pontas, e uma camiseta branca; estava escrevendo com a ponta dos dedos, no piso gasto e empoeirado, versículos bíblicos. Perguntei-lhe se, naquele dia, ela era a responsável pelo varal. Ela me respondeu que sim, de cabeça baixa, sem me encarar, parecendo resignada com sua condição de presa.
Anos mais tarde, a delegacia foi desativada, e eu fiquei imaginando o destino daquelas mulheres. Aquelas que, em silêncio, penduravam suas histórias nas cordinhas de um varal improvável, como se cada peça de roupa fosse um pedaço de sua alma, preso ali, entre as grades e o vazio.
Comments