por Regina Evaristo - Advogada Autista
Não conheço Annie pessoalmente. Ela vive em São Paulo com seus dois filhos, e eu estou no Rio de Janeiro. Mas, através de seu pai, que é um ser humano incrível, cuja gentileza é como um sopro suave de paciência, sinto que Annie é uma daquelas pessoas com quem compartilhamos algo além da distância. É como se a conhecesse desde sempre.
Certa vez, ouvi um palestrante sobre TEA afirmar que somos como seres de outra galáxia, trazidos para a Terra com um propósito. Ele dizia que nossas funções adaptativas são desafiadoras em qualquer nível do espectro porque, afinal, não somos daqui.
Não sei se concordo com essa visão mística, mas entendo bem o que ele quis dizer. Nossa estrutura, tão literal, tão direta, muitas vezes não se encaixa em um mundo cheio de curvas e desvios. É como se estivéssemos constantemente tentando ajustar nossa linha reta à ondulação do cotidiano. Talvez por isso eu sinta essa afinidade com Annie e seus filhos. Eles, assim como eu, parecem pertencer a esse espaço entre mundos, onde a lógica autista luta por um lugar em uma sociedade que não a compreende.
Annie me contou que tem dois filhos. Como ela mesma descreve, uma menina, nível 1, e um menino, nível 3. Eu já conhecia o menino através das histórias cheias de amor que o avô, Gerson, compartilhou. Um garoto não verbal, que agora consegue comunicar seus pensamentos de uma maneira extraordinária, graças à sua mãe.
Annie, com uma coragem que só as mães atípicas conhecem, tatuou o alfabeto no próprio braço para que seu filho pudesse apontar as letras e formar palavras. Essa foi a ponte que ela construiu entre o silêncio e o mundo. Foi assim que ele soletrou sua primeira palavra. E a primeira palavra que ele escolheu soletrar foi: “mamãe”.
Ser mãe de um autista é lutar em duas frentes de batalha: a sua própria e a de seu filho. Mas quem melhor para explicar o que é o autismo do que a mãe de um autista? Pergunte a ela. Pergunte à mãe que vê seu filho percorrer os caminhos da mente de forma que poucos entendem. Pergunte àquela que, com seus próprios gestos e sacrifícios, constrói as pontes que conectam o que parece desconexo.
Annie foi convidada a participar de um programa de grande repercussão nacional e internacional, e não poderia ser diferente. Ela personifica a essência da luta diária de ser mãe atípica. É a mãe que, entre o cansaço e a esperança, continua construindo caminhos. Seu método de comunicação alternativa é mais do que uma ferramenta, é um símbolo da entrega absoluta que as mães como ela têm pelos seus filhos.
Mas Annie não está sozinha nessa caminhada. Ao lado dela, está seu marido, um pai igualmente dedicado, que compartilha dessa jornada desafiadora com amor e firmeza. Juntos, eles têm criado um ambiente de acolhimento e empatia para seus filhos, transformando desafios em lições e vitórias. Um exemplo de que o amor parental é, talvez, a força mais poderosa e resiliente que existe.

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